O Salto Que Mudou de Dono: Como um Símbolo de Poder Masculino Virou um Ícone de Feminilidade e Opressão

 Você sabia que o salto alto não foi inventado para as mulheres?

Você sabia? Sapato de salto alto foi criado originalmente para homens ... modaparahomens.com.br


Essa é a primeira frase que destrói a percepção comum sobre um dos acessórios mais controversos da moda. Antes de ser um símbolo de feminilidade, elegância ou, para muitos, de opressão estética, o salto alto era um artigo de virilidade, status e autoridade exclusivamente masculino.

O que aconteceu para que um símbolo de poder entre guerreiros e reis se transformasse em um ícone de submissão e desejo, imposto majoritariamente ao corpo feminino? A história do salto alto é um espelho afiado das transformações sociais, das dinâmicas de classe e da maneira como o gênero molda a moda — e a moda molda o gênero.

O salto alto, afinal, é símbolo de empoderamento, submissão ou resistência? A resposta está em sua trajetória histórica.


 O Salto do Poder: Cavalaria Persa e a Realeza Europeia


Você sabia que o salto alto foi originalmente criado para os homens ... tricurioso.com

Para desvendar a tese central — de que o salto alto não nasceu como acessório de beleza feminina, mas como um símbolo de status e autoridade masculina —, precisamos recuar aos séculos XV e XVI.

O berço do salto alto moderno não está em um atelier de Paris, mas nos campos de batalha: a Cavalaria Persa. Soldados montados usavam saltos nos sapatos não por vaidade, mas por funcionalidade. Os calcanhares elevados garantiam que seus pés ficassem firmes nos estribos, permitindo que eles se levantassem para atirar arcos com mais força e precisão durante o combate. O salto era, portanto, uma ferramenta de guerra e autoridade.

A moda pegou, mas trocou a pólvora pela seda. No século XVII, a tendência chegou à Europa. Reis e nobres, fascinados pela estética exótica e pelo poder dos cavaleiros persas, adotaram o salto alto como um sinal explícito de riqueza e prestígio. Ninguém representou isso melhor do que o Rei Luís XIV da França, o "Rei Sol". Com apenas 1,60m de altura, Luís XIV transformou os sapatos de salto alto, muitas vezes vermelhos, em um símbolo de sua soberania absoluta.

Quanto mais alto e ornamentado o salto, maior o prestígio social.

Naquele tempo, o salto não era sobre estética ou delicadeza, mas sobre autoridade, proeminência e masculinidade.


 A Feminilização da Moda: O Salto Troca de Gênero

O que foi a 'grande renúncia masculina', curiosa consequência da ... bbc.com


A grande virada ocorre no século XVIII, com o advento do Iluminismo e a ascensão da burguesia. É nesse período que os papéis de gênero são rigidamente redefinidos, culminando no fenômeno que a historiadora V. Steele chama de "A Grande Renúncia Masculina".

Os homens da elite abandonam os adornos, as cores vibrantes, as rendas e, sim, os saltos. A moda masculina passa a valorizar a sobriedade, a praticidade e a funcionalidade, símbolos da racionalidade e do poder profissional burguês. O terno escuro, a roupa de trabalho, se torna o padrão.

Enquanto isso, a moda feminina é encarregada de carregar o peso do ornamento e da estética. O salto alto é, então, reinterpretado: ele não mais comunica poder ou guerra, mas sim delicadeza, sensualidade e, crucialmente, submissão e restrição. Ele arqueia o pé, muda o caminhar, balança o quadril, mas, ao mesmo tempo, reduz a velocidade e a mobilidade da mulher — refletindo o papel decorativo e doméstico que lhes era imposto pela sociedade patriarcal.

A moda racional e funcional foi dada ao homem que governa; a moda ornamentada e restritiva, à mulher que é governada.


 O Salto e a Sexualização: Paradoxo entre Elegância e Sofrimento

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A ascensão do cinema e da publicidade no século XX cimentou a imagem do salto alto como um objeto de desejo masculino e um símbolo da feminilidade idealizada. De Hollywood às pin-ups, a narrativa da mulher "sexy de salto" foi vendida em escala global.

O salto alto se tornou uma imposição estética, estabelecendo um paradoxo cruel: a elegância vem ao custo do sofrimento físico. O desconforto, a dor, a lesão ortopédica e a dificuldade de movimento são aceitos como o "preço" de ser socialmente reconhecida como "mulher de sucesso" ou "atraente".

O salto atua, assim, como uma ferramenta de controle simbólico sobre o corpo feminino: ele é a coleira invisível que, quanto mais alto, mais restrito e controlado fica o movimento, ainda que a pessoa se sinta "elevada" por ele.


 O Salto Como Resistência e Empoderamento (Reinventado)

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Felizmente, a moda é um campo de batalha, e as regras estão sempre sendo contestadas. A partir dos anos 1970, com o crescimento do movimento feminista e do movimento LGBTQIA+, o salto alto passa por uma ressignificação radical.

Mulheres e pessoas queer o adotam não mais como um símbolo de submissão, mas como uma expressão deliberada de identidade e liberdade estética. O salto vira fashion statement, um sinal de que a pessoa escolhe a dor pelo prazer e pelo poder da autoprodução.

Homens (artistas, performers e, notavelmente, as Drag Queens) voltam a usar saltos vertiginosos como um ato político e performático. Eles subvertem a rigidez do gênero, ironizam a feminilidade imposta e celebram a liberdade.

O salto, nessa nova roupagem, deixa de ser gênero e volta a ser poder — mas agora um poder reinventado, que celebra a fluidez, a performance e a autonomia.


O Salto, o Corpo e a Escolha

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Retornamos à pergunta central: o salto alto é símbolo de empoderamento ou opressão?

Como toda construção cultural, o salto é um espelho do seu tempo. Foi o poder dos guerreiros, depois a ostentação dos reis, a seguir a restrição da mulher e, hoje, pode ser a resistência de quem o usa por escolha.

O verdadeiro poder não está na altura do salto, na sua cor ou no seu passado. O poder está no direito de escolher usá-lo (ou não) sem ser julgado, sem que a nossa escolha determine nossa competência, nossa autoridade ou nossa moral.


O salto sempre foi sobre poder. A diferença é: agora, quem decide usá-lo somos nós. 👠✨

O que o salto alto significa pra você? Poder, dor ou liberdade? Compartilhe!

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